CORANI, Perú. Uma estrada empoeirada, larga o suficiente para apenas um veículo, passa por algumas casas de adobe e pastagens de grama pontiagudas nas encostas, seguindo em declive até Corani, onde o escritório do governo distrital com fachada de vidro tem vista para uma pequena praça onde o nome da cidade está escrito em letras gigantes.
A paisagem hostil, varrida pelo vento, permaneceu praticamente a mesma para as gerações de famílias de agricultores, em sua maioria Quechua, que criaram lhamas e alpacas neste lugar, a quase 4.000 metros acima do nível do mar. Mas conversas sobre mudanças já estão no ar. As pastagens nesta parte da região de Puno, no sul do Peru, encontram-se sobre depósitos de lítio, um mineral que se tornou vital para a transição de combustíveis fósseis para outras fontes de energia.
O lítio leve é um componente-chave das baterias que alimentam uma variedade de objetos do dia a dia, desde telefones celulares até veículos elétricos. No planalto, conhecido como Altiplano, o Chile e a Argentina já estão entre os maiores produtores mundiais do mineral. A vizinha Bolívia está prestes a aderir a esse clube, uma vez que os três países ocupam o “triângulo do lítio”, local coberto por salinas contendo o mineral.
O Peru ainda assim está à margem. Seu lítio se encontra em formações rochosas que também contêm urânio. Uma empresa detém concessões na área há quase duas décadas, mas até o momento a mineração permanece em fase de estudos.
Isso, no entanto, não deteve a máquina de relações-públicas da empresa e os rumores locais. E em um país onde dois em cada três conflitos relacionados ao meio-ambiente em toda nação envolvem comunidades afetadas pela mineração, segundo a Ouvidoria do governo, alguns moradores locais são favoráveis a um projeto de mineração, dizendo que trará empregos, enquanto outros se opõem, temendo a poluição. Quase todos, porém, acabam falando que não sabem muito sobre as possíveis implicações de uma mina de lítio.
Questionado sobre quais são suas expectativas em relação ao projeto, o prefeito de Corani, Patricio Dávila, vira as palmas das mãos para cima.
“Que expectativas posso ter, se não tenho informação?”, pergunta.
Vagas promessas de riquezas
Apesar das suas riquezas minerais andinas, incluindo o ouro, grande parte do qual é extraído informal ou ilegalmente, Puno está entre as regiões economicamente mais pobres do Peru. Quatro em cada 10 pessoas vivem na pobreza, dois terços das crianças entre 6 anos e 35 meses sofrem de anemia — bem acima da já elevada média nacional de 42% — e uma em cada 10 sofre de subnutrição crônica. Corani, onde nove em cada 10 pessoas vivem em comunidades rurais, é o distrito mais pobre da região. Outro distrito na mesma província de Carabaya é o segundo mais pobre.
Porém, a mineração de minerais raros – primeiro urânio e agora lítio – tem sido apontada há décadas como o caminho para a prosperidade da região.
Juan Tejada, coordenador de programas sociais da província de Carabaya, lembra-se de uma empolgação semelhante com as declarações de que o urânio tinha sido descoberto próximo a Macusani, a capital da província. As esperanças frustraram-se à medida que os preços do urânio caíram, mas voltaram a subir em 2018, quando a Macusani Yellowcake, agora uma subsidiária da empresa canadense de mineração júnior American Lithium, anunciou que sua concessão em Falchani, a cerca de 25 quilômetros de Macusani, também continha lítio.
Em entrevistas à imprensa, Ulises Solís, gerente-geral da Macusani Yellowcake, disse que a empresa indicou e deduziu reservas relativamente modestas de 4,7 toneladas métricas de carbonato de lítio, unidade de medida utilizada pela indústria. É preciso uma maior exploração, contudo, para categorizar essas reservas como “comprovadas”. Os estudos de impacto ambiental da empresa estão em andamento e preveem que a construção poderia começar em 2026 e a produção, em 2027.
Em seu balanço financeiro para os anos encerrados em fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, a American Lithium disse que "ainda não havia determinado se as propriedades contêm reservas de minério economicamente recuperáveis."
Enquanto isso, os moradores locais têm sentimentos contraditórios. Um líder jovem, que pediu para não ser identificado, diz que muitos de seus colegas esperam que uma mina crie oportunidades de emprego formal, que seriam preferíveis ao trabalho perigoso nas minas de ouro informais na parte norte da província, onde os Andes se inclinam em direção à bacia Amazônica. Ele e outros, porém, preocupam-se com os impactos ambientais.
Betty Nélida Quispe Fernández, uma líder de organizações de mulheres em Carabaya, teme que a poeira e a poluição da água provenientes de uma mina a céu aberto possam contaminar as pastagens e os campos de culturas tradicionais como batatas e kañiwa, uma cultura tradicional de alta montanha relacionada à quinoa. O mesmo temor se estende a outra concessão na região, onde a júnior canadense Bear Creek Mining Corp. está prospectando.
Se o projeto de lítio avançar, os moradores locais esperam que sua província receba uma parte justa. Walter Churata Morocco, professor e também presidente das patrulhas de autodefesa rural, conhecidas como rondas campesinas, em Macusani, espera que o projeto crie cerca de 5.000 empregos para os moradores de Carabaya. "Isso precisa ter um impacto no crescimento econômico de Carabaya", diz ele.
Ele teme, contudo, que uma mina possa secar rios e nascentes, e ele e Quispe se preocupam com os rumores de que o carbonato de lítio processado seria transportado para os portos costeiros peruanos do Pacífico por meio da região vizinha de Cusco, contornando a maior parte de Puno.
Em março, após um protesto de dois meses contra o governo da presidente Dina Boluarte, que foi particularmente forte em Puno, os líderes comunitários tradicionais da região anunciaram que só permitiriam a mineração de lítio, se também fosse construída uma instalação de produção de baterias na região.
Tejada vê poucas chances disso acontecer – “Se quiséssemos fabricar baterias, muitas coisas teriam de acontecer”, diz. Segundo ele, os representantes da Macusani Yellowcake sugeriram a ideia em apresentações no ano passado, mas Solís a descartou em uma entrevista recente à mídia, observando que a produção de baterias requer outros minerais, como o níquel e o grafite, não produzidos pelo Peru.
Enquanto isso, o descontentamento com o governo nacional persiste. O índice de aprovação de Boluarte está entre os mais baixos dos presidentes latino-americanos, em 12%. A lembrança dos protestos de quase um ano atrás, nos quais mais de 60 civis, seis soldados e um policial morreram, continua fresca na mente das pessoas em Puno, onde 18 civis foram baleados. A desconfiança em relação ao governo pode dificultar a venda de um projeto de mineração, diz Dávila.
A água entre as principais preocupações
O prefeito de Corani descreve seu distrito como "esquecido pelo Estado", sem polícia ou tribunais, sem assistência médica e educação adequadas, onde as pessoas vivem com o que ganham no dia a dia. A publicidade sobre o lítio aumentou a esperança das pessoas de que "o investimento estrangeiro poderia tirar Corani do subdesenvolvimento", diz, mas ele e outras pessoas também estão preocupadas com os impactos da mineração.
Embora não tenha visto planos específicos, diz que o depósito de lítio se encontra sob as terras de três comunidades rurais do seu distrito, e não sabe o que poderá acontecer às pessoas que vivem ali. Elas teriam de sair? Como seriam indenizadas? E para onde iriam, quando suas vidas giravam em torno da criação de alpacas? “Tirar a criação de gado daqui, é como tirar parte do meu corpo”, diz Dávila.
Ele também se preocupa com a água. Uma avaliação econômica preliminar do projeto de lítio Falchani – preparada em 2020 para a Plateau Energy Metals, adquirida pela American Lithium em 2021 – diz que a água para o projeto seria retirada de rios locais. As comunidades da região também dependem de águas superficiais e Dávila diz que algumas nascentes estão secando, enquanto algumas comunidades viram seu abastecimento de água diminuir à medida que sua população crescia.
Os trabalhadores dos campos de mineração vão criar ainda mais demanda por recursos escassos, acrescenta Dávila, que também está preocupado com a possível poluição dos rios que alimentam o Rio Inambari, que corre para o leste na bacia Amazônica. Ele se preocupa particularmente com Quelccaya, uma comunidade onde Macusani Yellowcake está atualmente prospectando, dependente da água de uma geleira que tem retrocedido desde a década de 1970. Até a geleira agora está coberta por concessões de mineração, embora também se encontre em uma área protegida, o que poderia impedir a exploração. No entanto, os críticos salientam que as concessões violam uma lei peruana destinada a proteger as cabeceiras dos rios.
O governo nacional iniciou recentemente conversas com funcionários dos governos regional e local para resolver os problemas econômicos de Carabaya, mas ainda faltam informações sobre a proposta da mina de lítio. Conforme a lei peruana, as comunidades não têm direitos sobre os minerais sob as suas terras, pelo que as empresas devem negociar com elas o acesso. O Peru ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os direitos dos povos indígenas e tribais, mas desde a reforma agrária da década de 1980, o governo peruano designou as comunidades andinas como “comunidades campesinas”, em vez de reconhecê-las como Quechua ou Aymara.
Como resultado, as empresas têm liberdade para negociar uma "licença social" para operar nesses locais, sem regras claras para o processo, em vez de passar por uma consulta às comunidades conduzida pelo governo. Os estudos de impacto ambiental também são realizados projeto por projeto, sem examinar o impacto combinado de vários projetos, especialmente nas bacias hidrográficas.
Marcos Orellana, relator especial da ONU sobre tóxicos e direitos humanos, alerta que o acesso à informação por comunidades afetadas pela mineração é especialmente importante onde há exploração de minerais relacionados à energia, como urânio e lítio, e em lugares como Puno, que tem mais de 700 locais de resíduos industriais não tratados, principalmente provenientes da mineração.
Orellana alerta que o “desenvolvimento” não deve ter prioridade sobre a proteção ambiental e que, na corrida para substituir os combustíveis fósseis, os países não devem permitir maior contaminação pela mineração dos chamados minerais “estratégicos” ou “críticos”, necessários para as energias renováveis. A descarbonização, diz ele, não só deve evitar contaminações futuras, mas também andar de mãos dadas com a “desintoxicação” ou a limpeza de locais já poluídos.
“Na região [da América Latina] e no mundo, vemos a proliferação de zonas de sacrifício – zonas que são particularmente contaminadas, onde as pessoas muitas vezes vivem na pobreza, carecem de voz e são condenadas pela negação de seus direitos humanos fundamentais”, disse ele a Historias Sin Fronteras.
Orellana insiste no direito das comunidades à informação e à voz nas decisões sobre os projetos que as afetam, bem como o acesso à justiça, incluindo a justiça ambiental.
“As pessoas que sofrem com a contaminação nestas zonas normalmente são tipicamente marginalizadas nos processos de tomada de decisão”, afirma. “Na América Latina, ainda há muita distância, muito caminho a percorrer para tornar realidade o direito [das comunidades] ao acesso à informação em matéria ambiental”.
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